Para entender essa mudança, é preciso voltar no tempo. Em 1924, morreu Vladimir Lênin, o líder da revolução russa de 1917. Leon Trótsky, o popular chefe do Exército Vermelho, era visto como seu sucessor natural. Mas foi Stálin quem chegou lá, apoiado pela poderosa burocracia estatal. A dissidência trotsquista rachou o marxismo em dois grandes grupos. Os seguidores de Trótsky pregavam que o comunismo só seria possível em escala mundial e que a função do revolucionário era fomentar levantes em todo e qualquer país. Já os seguidores de Stálin acreditavam que a transformação da sociedade seria o resultado de um processo gradual e que a função dos comunistas era, antes de tudo, preservar as conquistas da revolução russa. Empossado, Stálin começou uma metódica eliminação de opositores, entre os quais Trótsky, que, expulso da Rússia em 1927, acabou assassinado em 1940.
Com Trótsky no lugar de Stálin, o mundo seria outro, diz Osvaldo Coggiola, professor de história contemporânea na Universidade de São Paulo. Para Osvaldo, a sorte de Tróstky foi decidida não na Rússia, mas na Alemanha. Em 1923, os comunistas alemães começaram um levante. A divergência entre Trótsky e Stálin era, mais uma vez, de estratégia. O primeiro defendia uma tomada de poder imediata. Mas Stálin depositava as esperanças num pacto com a social-democracia alemã, o que de fato ocorreu. A confusão gerencial fez a revolução naufragar na terra de Goethe e abriu caminho para a ascensão do nazismo.
Mas, se Trótsky fosse o líder russo, provavelmente a revolução alemã teria sido um sucesso, e a Alemanha, então dona da indústria mais avançada da Europa, se uniria à Rússia, criando uma União Soviética ampliada e vigorosa – a maior potência militar e econômica do mundo. Levantes proletários eclodiriam em todo o planeta. Com um cenário desses, bastaria um tropeço do capitalismo – como a quebra da bolsa de Nova York, em 1929 — para que a onda vermelha varresse a Europa até o final dos anos 30. Certamente haveria resistências a esse avanço, mas a lembrança dos combates sanguinários da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) talvez impedisse confrontos armados. Antes de torcer o nariz a essa possibilidade, lembre-se de que, nessa hipótese, possivelmente o nazismo jamais seria concebido e a Segunda Guerra Mundial não ocorreria em 1939.
O equilíbrio do mundo seria outro. Sem a destruição da economia européia, os Estados Unidos não emergiriam como a potência hegemônica na segunda metade do século 20. A China também seria extremamente afetada por uma União Soviética mais agressiva. Com Trótsky no poder, é provável que os comunistas dominassem o país de Confúcio muito antes de 1949. O capitalismo estaria reduzido aos Estados Unidos, ao Japão e, precariamente, à América Latina. A África, para variar, seria palco de disputas violentas entre os dois regimes. No Pacífico, por sua vez, a China certamente avançaria sobre o Japão, detonando uma corrida armamentista.
A sucessão de Trótsky poderia, no entanto, mudar o quadro global. Ao contrário de Stálin, ele talvez não eliminasse opositores, acomodando-os no aparelho estatal, como Lênin fizera antes dele. Nesse futuro paralelo, os stalinistas poderiam suceder Trótsky e moderar a postura agressiva da URSS. Não é difícil imaginar Mikhail Gorbachev assumindo o Parlamento nos anos 80 e iniciando um entendimento com o capitalismo. O certo é que, dominando três quartos do globo, o comunismo não ruiria nos anos 90. A queda do muro de Berlim, símbolo da derrota da esquerda, jamais aconteceria em 1989 porque, afinal, ele nunca teria sido construído.
Revista super interessante - set 2003
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